domingo, 22 de fevereiro de 2009

Carnaval de Autrora

Apesar de ser ainda jovem, posso dar-me ao "luxo" de dizer que onde nasci e fui criado o Carnaval era vivido de outra forma que não a de hoje e tinha outro significado. Chamava-se então de Entrudo. E era uma animação e euforia quando o Entrudo se aproximava. Havia uma alegria e felicidade genuínas nas pessoas e o "Jogo do Entrudo", como era designado, envolvia toda a gente da minha aldeia e das aldeias em redor. Começava logo na escola, onde as máscaras eram feitas de forma artesanal, com cartolinas e colagens de papel de lustro. Os fatos eram feitos pelas mães ou pelas avós que, milagrosamente, de um trapo velho faziam uma obra de arte que nos tornava irreconhecíveis. Na sexta-feira de Carnaval desfiláva-mos pelas ruas da vila, trajados a rigor, por turmas, acompanhados do respectivo professor(a), exibindo aos habitantes locais as nossas figuras alegres. Nos dias que se seguiam, até ao dia de Carnaval, era vivido o verdadeiro Entrudo. Íamos para a rua, sempre em grupos de dez ou mais mascarados, ali não havia um tema, cada um usava a sua imaginação e vivia a fantasia que lhe fosse mais conveniente. E então desfiláva-mos, de porta em porta, sempre em animada cavaqueira, anunciando a chegada do Entrudo. Era muito frequente as pessoas oferecerem géneros, como carne , fruta, legumes e até dinheiro aos mascarados. E quem não o fizesse, ou não abria a porta ou sujeitava-se a levar um banho de um balão cheio de água. E ninguém levava a mal porque fazia parte, eram brincadeiras aceites por todos. Quando ao fim do dia chegávamos a casa, era uma alegria contar os trocos que davam para comprar meia dúzia de pastilhas ou caramelos. No dia seguinte repetia-se a peripécia. E assim se viviam quatro intensivos dias de animação.
Hoje, as coisas são vividas de forma diferente e o sentido do Entrudo foi-se perdendo no tempo. Cada vez mais foram-se introduzindo costumes de Carnaval vindos de fora, que nada têm a ver com o tradicional português. Cada vez mais as pessoas celebram o Carnaval com uma alegria que não sentem, alegria forçada, porque fica bem. E então é ver as meninas descascadas, apenas com plumas e lantejoulas, a tiritar de frio, exibindo a celulite mal disfarçada, pelas avenidas a desfilar ao ritmo do samba. Sei que em parte isto também se deve ao grande índice de emigrantes brasileiros a residir no nosso país, mas eles que vivam o samba e o Carnaval brasileiro no país deles, que nesta altura do ano tem um clima quente. Porque é absurdo, num país como o nosso em que o mês de Fevereiro, que é tipicamente frio, os foliões saírem à rua quase nus. E é mais ridículo ainda quando esses foliões são portugueses, não faz sentido, cada coisa no seu lugar. E depois, pode-se quase não ter dinheiro para comer, mas vamos gastar 40 ou 50€ num fato já feito. E amanhã o Carnaval já passou, e as pessoas voltam à vida difícil que tinham antes.
Com tudo isto, cada vez mais fui desgostando do Carnaval, até chegar ao ponto em que hoje me é completamente indiferente e achando ridículo a figura que muitas pessoas fazem.
Sei que ainda existem aldeias no interior onde o Entrudo é festejado, de forma genuína e onde as tradições ainda são o que eram e tentam manter-se vivas. Mas creio que a curto prazo, tudo isso também terá um fim.
A minha turma no 12º ano, mascarados de "Cientistas Loucos", em 1996.

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